quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Correspondente de Guerra Francis Hallawell, o "Chico da BBC" - In Memoriam

Correspondente de Guerra
Francis Hallawell, o "Chico da BBC" - In Memoriam:



O repórter britânico-gaúcho, Francis Hallawell, o "Chico da BBC", que pela tecnologia de então, as Ondas Curtas, fez chegar as vozes dos pracinhas do front da Itália a todos os recantos do território brasileiro. É também a história de um tempo de guerra, com suas misérias e grandezas e a condição humana no meio disso. 

Nascido em Porto Alegre em 1912, Francis Charlton Hallawell, filho de pais ingleses, trabalhava numa empresa petrolífera quando estourou a Segunda Guerra em 1939. 

Depois de um ano ele era engenheiro e trabalhava na Metropolitan-Vickers, uma empresa inglesa que fabricava de locomotivas a equipamento elétrico industrial - como torres e geradores - e que fora contratada para eletrificar os trens da Central do Brasil. Um detalhe interessante: Francis deu aulas de inglês para cadetes e pilotos da FAB no Rio de Janeiro, entre seus alunos estava o então Ten Av Rui Moreira Lima, que na guerra esteve no 1º Grupo de Aviação de Caça "Senta a púa" e fez 94 missões de guerra.

O sentimento nacionalista britânico – ele queria de qualquer forma defender os Aliados – o levou a se alistar no Exército. O Anglo-brasileiro que trabalhava na eletrificação de trens de subúrbio no Rio queria participar de esforço de guerra britânico e se mudou para a Inglaterra em 1941.

"Ele já tinha uma certa idade, 29 anos, quando se ofereceu para lutar na infantaria inglesa, e não foi aceito", conta à BBC Brasil Rose Esquenazi, professora da PUC-RJ, pesquisadora sobre TV e rádio no Brasil e autora de O Rádio na Segunda Guerra: no ar, Francis Hallawell, o Chico da BBC.

Como Hallawell já tinha passado da idade de combater no front foi como voluntário para a Inglaterra servindo como motorista de ambulância no Home Guard em Londres durante as Blitz da Luftwaffe (Força Aérea Alemã) na Inglaterra.






















Depois foi transferido como motorista de ambulância para uma unidade de Infantaria estando no norte da África e Itália, sendo hospitalizado e afastado da linha de frente até o Serviço Brasileiro da BBC o convocou em 1944, para ser o primeiro e único correspondente de rádio na guerra, do lado brasileiro.








Ao engenheiro de sotaque britânico que nunca tinha trabalhado com jornalismo foi oferecida uma vaga como correspondente de rádio da BBC. “A emissora só exigia que fosse bilíngue e que tivesse uma dicção razoável”.

Quando já trabalhava na BBC em Londres, Hallawell se casou com uma funcionária da casa, a belga Julienne, que, entrevistada por Esquenazi, disse que todos os arranjos em torno dessa missão eram "secretos".


"Eles tinham acabado de se casar, estavam apaixonados, e ele dizia que estava proibido de dar detalhes. Ele recebeu treinamento em algum lugar. A viagem para a Itália era perigosíssima."









Em julho de 1944, Hallawell se juntou ao grupo de cerca dez correspondentes brasileiros que passaram a acompanhar a FEB, com quem manteve uma relação profissional próxima. Entre esses correspondentes estavam Rubem Braga (Diário Carioca), Joel Silveira (Diários Associados) e Egydio Squeff (O Globo).


Além dos correspondentes, ele teve a preciosa ajuda do jovem engenheiro de som inglês Douglas Farley, da BBC, que operava a unidade móvel de gravação - uma ambulância convertida - e o aparelho que a realizava, um Midget Disc Recorder, que gravava os sons captados por um microfone diretamente em um disco especial de alumínio coberto por um laque especial de acetato.






Na frente da barraca da Esquadrilha Amarela em Tarquínia os pilotos fizeram com restos de caixotes de madeira que foram utilizados para o transporte de equipamentos uma "Sala de Estar". Ela era usada para descanso e reuniões com os colegas ao estilo "Roda de Chimarrão" que ocorria na Panamá. Nessa foto colorida do veterano Buyers, oficial de ligação da USAAF com o 1GAVC, já identificamos o Nero, Assis, Brandini, Ismar, Motta Paes, Joella (enfermeira americana de ligação), Izaura Barbosa Lima (enfermeira da FAB), Chico da BBC (correspondente de guerra), engenheiro de som inglês Douglas Farley da BBC (uniforme escuro sentado), Coelho, Medeiros, Dornelles e Eustórgio.



"Foi projetado pelos engenheiros da BBC especialmente para seus correspondentes na linha de frente", contou Hallawell em seu depoimento em 1995.

"Constituía-se de uma caixa, pesando uns quinze quilos, muito parecida com aquelas vitrolas portáteis que nos anos 1920 e 1930 a gente levava para piqueniques. Havia uma manivela para dar corda e uma bateria para o microfone e o gravador. A gravação era feita num disco virgem e não era possível ouvir o que a gente tinha gravado mais do que duas vezes, para não inutilizar o disco."


Do campo avançado dos pracinhas na Itália, Hallawell transmitia programas e relatos sobre os principais acontecimentos. Como os outros profissionais, ele sofria severa censura feita pelos militares e pelo DIP, que atuava a distância. Aprendeu com mestres da crônica, como Rubem Braga, a descrever a vida cotidiana dos soldados. 


Chico com pessoal da ELO:


Ao longo dos dois anos, Francis Hallawell descreveu a vida cotidiana dos soldados usando recursos da crônica aprendidos com o colega Rubem Braga, correspondente do jornal Diário Carioca. 

Na época, não havia fita magnética para a gravação das entrevistas e das reportagens de rádio. Para contornar o problema, a BBC criou um equipamento semelhante a uma vitrola portátil. Era uma caixa de 15 quilos equipada com uma bateria, um microfone, um gravador e uma manivela para dar corda, que gravava sons em um disco virgem de vidro. Até chegar aos ouvintes no Brasil, o material percorria um longo caminho. Primeiro, viajava de jipe até Florença. De lá, era despachado no malote do Exército para a BBC de Roma. 


A BBC de Roma, por sua vez, transmitia a gravação para a sede em Londres, que regravava o material em disco de acetato e então o irradiava para o Brasil. Complicações no transporte dos discos eram contornadas com o uso do telegrama. “Hallawell tinha que entregar uma reportagem por dia para a BBC”, conta Rose Esquenazi. “Para conseguir dar conta da demanda, ele pedia material para seus colegas cronistas”.


Francis Hallawell ficou na Itália até o fim da guerra. Em 1946, voltou ao Brasil para atuar como empresário em Porto Alegre, mas nunca mais trabalhou como jornalista. Voltou à Metropolitan-Vickers e foi seu gerente-geral no Brasil de 1953 a 1968.

Francis recebeu a "Order of the British Empire" (OBE) em 1963.

Publicou o livro Escatoletas da Itália, uma seleção de crônicas da Segunda Guerra transmitidas para o Brasil. O nome é uma referência à caixinha usada pelo Exército dos Estados Unidos para distribuir refeição às tropas (arroz, feijão e carne moída). Os soldados guardavam a caixinha e a usavam para colocar objetos que não queriam mais, e então trocá-la com outros soldados. 


Morreu em 2004, em Petropólis/RJ, sem deixar filhos. A viúva Juliene, belga de 97 anos (2019), mora em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro.


Jamais serão esquecidos!

Um comentário:

  1. Belissíma reportagem síntese sobre este brasileiro gaucho de origem inglesa, criado no Rio, voluntario na defesa da Inglaterra, e convidado pelos britânicos para noticiar a participacao da FEB.

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